Ontem, o Supremo Tribunal de Justiça americano considerou ser contrária à Constituição a condenação à morte de pessoas com idade inferior a 18 anos.
Tenho, devo confessar, alguma dificuldade em colocar esta decisão em qualquer dos planos apontados pelo GMM.
Vitória seria a abolição total da pena de morte, mas uma decisão que vai tirar 72 pessoas do corredor da morte dificilmente pode ser considerada uma derrota.
E isto no país que realizou o maior número de condenações à morte de menores, 17 desde 1990!
A maioria dos juízes (5-4) decidiu, no caso Roper v. Simons, e quanto à questão de saber se a oitava e décima quarta emendas da Constituição são violadas caso um individuo maior de quinze anos e menor de dezoito seja condenado à morte, que Christopher Simmons não podia ser condenado à morte.
Importa salientar alguns dos argumentos apontados: a desproporcionalidade da pena de morte quando aplicada aos menores (à semelhança do que havia sido decidido no caso Atkins por referência aos deficientes mentais), as especiais condições psicológicas dos menores como a vulnerabilidade e a imaturidade, a tendência para a não aplicação da pena de morte aos menores nos estados retencionistas e o contexto internacional.
Os votos de vencido, incluindo os expectáveis dos "Justices" Scalia e Clarence Thomas, tristemente célebres pelas suas posições conservadoras, discordaram dos argumentos apresentados, nomeadamente do argumento de que actualmente, os EUA se encontram praticamente sós (ou mal acompanhados se pensarmos no Paquistão ou na China) na condenação de menores à pena de capital: "I do not believe that the meaning of our Eighth Amendment, any more than the meaning of other provisions of our Constitution, should be determined by the subjective views of five members of this court and like-minded foreigners" (Anthony Scalia) .
Por aqui se vê que ganhámos uma batalha mas estamos muito longe de ganhar a guerra, e aqui permito-me utilizar a linguagem bélica tão cara aos americanos...
Infelizmente, não me parece que, num futuro próximo, se vá muito além de pontuais derrogações como esta, especialmente se pensarmos que nos EUA comutar ou não uma condenação à morte em estados retencionistas como o Texas traz, entre outras coisas, votos, muitos votos.
Vale a pena olhar para alguns números disponíveis no site da Amnistia Internacional A Amnistia Internacional tomou conhecimento de três execuções de menores em 2002: todas as três foram realizadas no estado do Texas nos EUA. Outro menor foi executado no estado de Oklahoma em Abril de 2003. 71 prisioneiros foram executados nos EUA em 2002, elevando a 820 o número total de executados desde que o uso da pena de morte foi resumido em 1977. Mais de 3.700 prisioneiros estavam sentenciados à morte no dia 1 de Janeiro de 2002.
38 dos 50 estados americanos incluem a pena de morte na legislação....
Num país em que os crimes hediondos são em grande número, quer se pense nos “spree-killings”, nos "serial killers", nos massacres nas escolas, imagino que defender a vida quando a vida parece valer tão pouco seja uma tarefa ingrata.
Fiquei, por isso, agradavelmente surpreendida com esta decisão.
A continuidade da aplicação da pena capital é demonstrativa de um enorme retrocesso civilizacional, e, no caso particular dos EUA, é uma mancha na democracia vigorosa que os americanos tanto se orgulham de ter.
Quer porque não funciona como elemento dissuasor da criminalidade, como bem o demonstram os números disponíveis no site da AI; quer porque os sistemas judiciais, à imagem e semelhança de quem os cria, são falíveis, e prova disso são os casos gritantes de descobertas de inocentes nos corredores da morte graças a nova produção de prova.
Os argumentos são inúmeros e todos eles por demais convincentes, mas, infelizmente, não o suficiente.
Há quem prefira o "olho por olho, dente por dente".