sexta-feira, março 04, 2005

O defensável e o condenável

O padre Nuno Serras Pereira invoca o cânone 915 do Código de Direito Canónico para, "na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas envolvidas", lhes dar conhecimento público de que "está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente têm perseverado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes".

Nesta categoria incluem-se, de acordo com o padre Nuno Serras Pereira, todos os que usam "diversas pílulas, DIU [dispositivo intrauterino] e pílula do dia seguinte" e os que recorrem a "técnicas de fecundação extra-corpórea, selecção embrionária, criopreservação, experimentação em embriões" e outros métodos de reprodução medicamente assistida.

Votar ou participar em campanhas a favor da legalização do aborto, aceitar ou concordar com a actual lei em vigor e defender a eutanásia também são motivos que impedem o padre de dar a comunhão.O cânone 915 diz que "não são admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto", explicou à Lusa o professor Saturino Costa Gomes, director do Instituto Superior de Direito Canónico.

Ou seja, "os sacerdotes podem recusar a comunhão" a todos os católicos relativamente aos quais têm conhecimento de que cometeram ou cometem um pecado grave, segundo o que está estabelecido nos preceitos da Igreja Católica.O Patriarcado não quis prestar declarações sobre o assunto.

Pasme-se!
Não creio (wishful thinking) que este radicalismo na definição de quem pode e não pode receber a comunhão seja expressão do pensamento de todos os padres católicos e muito menos dos católicos praticantes e não praticantes em geral.

Contudo, (e apesar de não ser católica) não posso deixar de reagir a estas inacreditáveis declarações de um radicalismo lamentável e, felizmente, não acompanhado pelo Patriarcado.

Sim, porque é de radicalismo que se trata quando se diz que "advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes" é utilizar meios contraceptivos (quando, em Portugal, uma em cada três adolescentes já tomou a pilúla do dia seguinte e uma em cada seis não pratica sexo seguro), ou recorrer à procriação medicamente assistida (extraordinário que querer gerar vida e recorrer à Ciência para esse efeito seja advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes).

Acompanho a Alice nas suas interrogações. Afinal, será que sexo é única e exclusivamente para fins e reprodutivos? Não o sendo, a única posição legítima face aos problemas das doenças sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência é a abstinência total?

Discuti, com um amigo, esta questão, ele, católico praticante, e embora não concordando com a mesma, qualificou a posição sustentada pelo Sr. Padre Serras Pereira como sendo uma posição defensável.

É claro que, in extremis, e a bem da liberdade de expressão, tudo é defensável.

Afinal, as pessoas são livres de ir celebrar a eucaristia em outro lugar.

Mas há muitas coisas que são condenáveis, apesar de defensáveis.

Fazer tábua rasa dos direitos sexuais e reprodutivos a duras penas conquistados em nome de uma pretensa moral cristã, à revelia, por exemplo, da realidade sociológica dos números da gravidez na adolescência, é condenável.

Achar que querer gerar vida e, na impossibilidade de o conseguir naturalmente, recorrer à Ciência e às técnicas de Procriação Medicamente Assistida para esse efeito é pecado, é condenável.

Achar que uma mulher casada (ou solteira) que opta por controlar o seu próprio corpo e se arroga o direito ao prazer através da utilização de um dispositivo intra-uterino comete um grave e sério pecado que a cobre de uma indignidade que não lhe permite receber a comunhão, é condenável.

Defensável na medida em que, em bom rigor tudo o é, mas condenável na linha ideológica que traça e nos postulados que veicula.