Há uma coisa que está na moda chamada Justiça Restaurativa que defende que a Justiça Criminal ao invés de se centrar no agente e na ofensa provocada à sociedade (?) deve reencontrar-se com a Vítima. O modelo retributivo que existe há centenas de anos está caduco, não faz sentido e não promove convenientemente o que deviam ser os dois grandes objectivos de qualquer política criminal, a saber:
1- A restauração do dano provocado na Vítima (e não na sociedade).
2- A reabilitação do Ofensor.
O dano pode-se manifestar tanto ao nível físico, patrimonial e até mesmo psicológico. Assim a restauração desse dano deve comportar essas três dimensões.
A nível físico, quando exista lesão, devem ser as despesas médicas custeadas pelo ofensor e no caso de dano permanente ser essa lesão indemnizada. O mesmo se dirá a nível patrimonial. Quanto ao dano psicológico, para além dos possíveis custos médicos um outro processo deve ser desencadeado, um processo de perdão. O perdão é expurgatório, diversos estudos já demonstraram que só através do perdão pode a Vítima vencer o ressentimento e a ira despoletados pela ofensa do agente. Não vou estender este argumento, mas aconselho a leitura de 'The role and function of forgiveness in the Psychotherapeutic Process' de J.P. Pingleton e 'The function of forgiveness in the criminal justice system' de John Gehm, só para citar alguns interessantes estudos nessa área.
Voltando à questão do aprisionamento, muitos sugerem que a prisão é uma verdadeira “universidade do crime”. Todos sabemos que a prisão de reabilitativa tem pouco. Sucede que a nossa Justiça criminal tem duas grandes funções, a função preventiva e a retributiva, i.e. o agente vai para a prisão para que não volte a praticar o crime e para que o exemplo da sua prisão demova potenciais criminosos de praticarem esse ou outros crimes (função preventiva) e, o agente vai para a prisão porque deve ser castigado pelo que fez, na mesma medida da gravidade do facto praticado (função retributiva).
Onde é que está a Vítima nestas duas funções? Em lado nenhum (pelo menos directamente).
A Vítima caso pretenda alguma compensação (patrimonial) pelo dano deve seguir o procedimento civil e não o penal (mesmo que estes sejam, por razões de economia processual, julgados simultaneamente pelo mesmo tribunal, os princípios envolvidos são completamente diferentes).
No caso da Justiça Restaurativa os métodos utilizados são logo à partida diferentes; a Vítima é colocada em primeiro lugar. Usando por exemplo a mediação ou conferências de interessados (tradução muito simplista, mas enfim), o Ofensor é confrontado com a Vítima que não só descreve as consequências do crime mas também ouve as razões e justificações que levaram à prática do mesmo. Estes procedimentos são complexos, dependem da vontade da Vítima e do Agente prevaricador, mais importante, dependem (muitas vezes) da assumpção da ofensa pelo Agente e do tipo de crime praticado. Mas em última análise criam as condições necessárias para que o Agente se penitencie pelo acto praticado e para que a Vítima seja capaz de perdoar e assim sarar a “narcissistic wound” criada pelo dano psicológico.
Mas o perdão não extingue o dano provocado (mesmo que os Canberra Reintegrative Shaming Experiments [RISE] tenham concluído que a Vítima na maior das vezes – 83% - dava mais importância ao pedido de desculpas do que à compensação monetária), como disse a restauração do dano compreende outros 2 níveis, que normalmente serão compensados a nível patrimonial. Aqui entra a alternativa ao aprisionamento. Para este tipo de Justiça Criminal o aprisionamento deve ser um último reduto (para muitos até completamente afastado), uma vez que é possível cumprir as funções restaurativas e reabilitativas sem que com isso signifique uma perda da liberdade pessoal, mais que não seja em alguns tipos de crime.
E se o Agente não tiver meios para compensar o dano provocado o que é que acontece? Uma hipótese no mínimo interessante surgiu para responder a esta questão. Há quem defenda que as prisões deveriam ser centros de trabalho, onde o ofensor suportaria os custos do seu encarceramento com o fruto do seu trabalho, de onde seria também retirada uma quota-parte para pagar à Vítima o estipulado (pelo Tribunal, mediação etc) e o remanescente transferido para um fundo que serviria para um recomeço de vida. Estes centros de emprego teriam níveis de segurança diferentes conforme a perigosidade do agente, mais: casos haveriam em que o agente poderia mesmo dormir em casa e fazer da “prisão” o seu emprego. (com esta alternativa às prisões "normais" o bolso do contribuinte seria aliviado do peso de sustentar milhares)
Este sistema poderia ainda levar à criação de seguros de crimes, que pagariam “à cabeça” o estipulado como compensação e receberiam os pagamentos faseados da vítima, dessa forma garantindo à vítima o pagamento em tempo útil. Seguradoras que, devidamente autorizadas e fiscalizadas pelo Estado, poderiam até criar centros de trabalho onde garantiriam a devolução do seu investimento.
A Justiça Restaurativa não se esgota nesta exposição simplista, no entanto esta visão (que pode criar complicações mesmo ao nível de Direitos Humanos, uma vez que estes proíbem o trabalho prisional) é uma alternativa ao sistema caduco e ineficiente que temos e muito mais coincidente com o caminho que Jesus Cristo defendeu (e não Henrique, Jesus não nos pediu para encontrarmos a fórmula, Jesus deu-a: “Dá a outra face”, i.e. ama o teu inimigo, perdoa e segue em frente).
Em suma concordo em absoluto com aqueles que condenam a pena de morte, sucede que vou mais longe, uma vez que não concordo com o aprisionamento como ele existe (quanto mais perpétuo) e condeno um sistema que faz do ofensor um inimigo público e usa a ofensa e a vítima como um pretexto de exercício de autoridade e de exemplo para os demais. O que defendo é uma Justiça Criminal que deixe de tratar a Vítima como uma vulgar testemunha e lhe dê o protagonismo e protecção necessários, mesmo que isso signifique voltar a confrontá-la com o ofensor.
Mas percebo o que
diz, comparada com a pena de morte até a prisão perpétua parece boa, mas convém não esquecer o que ela verdadeiramente representa: um mal menor.
Um abraço.