quarta-feira, dezembro 14, 2005

O que é que o Bill tem?


"You're likely to have real trouble suspending disbelief since the movie's central premise is that Murray's character, Don Johnston, is a Don Juan-type of individual who has slept with so many different women that he has trouble recalling them all. I ask you women. How often you have been inclined to have a fling with a man who barely speaks or even acknowledges your presence -- one who idles away all of his time staring off into space?"
[Steve Rhodes, internet reviews].
Broken Flowers não é o tipo de filme que possa reunir consensos. Nem poderia. É um road movie algo frustrante, sem paisagens especialmente apelativas, sem descobertas interiores, sem nenhuma mudança visível no ânimo da personagem principal quando chega ao fim. Não é um road movie, portanto. Há uma viagem (de carro e de avião), uma ideia de um sítio onde se quer chegar, mas, aparentemente, nenhuma conclusão a retirar. Quando a viagem chega ao fim o filme termina exactamente onde começou. E depois há a perspectiva. Masculina, essencialmente. Fetiches ao molho. Estão lá todinhos. Desde a provocadora quase de fraldas, às lésbicas, às hospedeiras, enfim, you name it. Tudo compactado para afagar a meia idade pensativa de um Don Juan em fim de carreira. Somado dá um anti-road movie sobre um solteirão de meia idade que termina o passeio pela sua extensa lista de casos amorosos exactamente de onde partiu.
Os débitos. Faltam os créditos.
A provocadora de fraldas, um fetiche tão perfeito que até faz impressão; nem o Nabokov conseguiria escolher uma lolita tão perfeita, porque óbvia, quase caricatura dela mesma. Sharon Stone, Jessica Lange, Tilda Swinton, irrepreensíveis; o gato Ramon; o Winston, os fatos de treino inenarráveis do Bill Murray; a música etíope do Mulatu Astatke (belíssima), dos BrianJonestown Massacre, e, claro, Bill.
Bill Murray, que não representa, paira. Paira. Senta-se em cima da cama em Lost Translation, olha o vazio e pensa. Senta-se no sofá (enquanto ouve Mulatu Astatke), olha o vazio e pensa. Ninguém olha o vazio e pensa como Bill Murray. E ele sabe disso. E Jarmush também. Encontrada a fórmula, capitaliza-se. O que é que o caça fantasmas tem, afinal? Tem o it. O it, o indefínivel que Bowfinger explicava aos colaboradores de realização no filme com o mesmo nome fazer com que ninguém ouse desviar os olhos do écran. Não é bonito, longe disso. Não é o De Niro, longe disso. Nunca seria capaz dizer “Are you talking to me?” ao espelho de forma convincente. É o it. De outra maneira seria impossível fazer crer, ainda que numa peça de ficção, que a Scarlett Johanson ou a Sharon Stone quisessem dormir com ele. O it dele é uma mistura de “basket case” com caso perdido e indomável. Resultado mais comum desta combinação: espécime masculino irresistível.