quinta-feira, agosto 25, 2005

Antes do teste de DNA, do CSI Miami e da PJ já havia o Eça...

"Contei-lhe ontem como inesperadamente havia encontrado à cabeceira da cama um cabelo louro. Prolongou-se a minha dolorosa surpresa. Aquele cabelo luminoso, languidamente enrolado, quase casto, era o indício de um assassinato, de uma cumplicidade pelo menos. Esqueci-me em longas conjecturas, olhando, imóvel, aquele cabelo perdido.
A pessoa a quem ele pertencia era loura, clara, decerto, pequena, mignonne, porque o fio de cabelo era delgadissímo, extraordinariamente puro, e a sua raiz branca parecia prender-se aos tegumentos cranianos, por uma ligação ténue, delicadamente organizada.
O carácter dessa pessoa devia ser doce, humilde, dedicado e amante, porque o cabelo não tinha ao contacto aquela aspereza cortante que oferecem os cabelos pertencentes a pessoas de temperamento violento, altivo e egoísta.
Devia ter gostos simples, elegantemente modestos a dona de tal cabelo, já pelo imperceptível perfume dele, já porque não tinha vestígios de ter sido frisado, ou caprichosamente enrolado, domado em penteados fantasiosos.
Terá talvez sido educada em Inglaterra ou na Alemanha, porque o cabelo denotava na sua extremidade ter sido espontado, hábito das mulheres do Norte,
completamente estranho às meridionais, que abandonam os seus cabelos à abundante espessura natural."
in O mistério da estrada de Sintra, Eça de Queirós