terça-feira, julho 12, 2005

Ritualismos I: Dos rituais de iniciação à masculinidade

O ritual das piadas homofóbicas entre amigalhaços: breve descrição.
Basicamente, consiste na aprendizagem, desde tenra idade, que existem sinais de alarme a detectar em algumas pessoas e que, em consonância, deve haver uma reacção vigorosa e viril em relação aos mesmos, que se traduz numa terapia conjunta (mais ou menos seis ou sete pessoas) de choque.
O vírus: O amigo, colega, amigo de um amigo.
Sinais de alarme: Se a mão descreve um ângulo diferente do que é tido por normal (meaning manguito), se a camisa não é azul, ou branca, ou verde tropa, ou qualquer das outras cores permitidas entre macho que é macho, se não diz “o lugar da mulher é na cozinha” pelo menos na quantidade salutar de três vezes por semana; se cai no erro de dizer, em público, loud and clear, QUE NÃO GOSTA DE FUTEBOL e não conhece os nomes dos jogadores todos de pelo menos cinco equipas nacionais e vinte internacionais; se diz que gosta de poesia; pior, sacrílego mesmo, se diz que escreve poesia e não é para engatar ninguém; se gosta mais da Beauvoir que do Hemingway; se acha que andar à pancada não é sempre a melhor solução; se é fã dos Sete Palmos de Terra; se nunca coçou os tomates em público.
Terapia dos amigalhaços: Exorcizam os males provenientes da convivência ou simples proximidade geográfica com tal ser alienígena que não gosta de futebol ("é tão gay, mas tão gay") porque se calhar até se pega e o pessoal até pode começar a bocejar durante um, imagine-se, Benfica- Sporting, com piadas recorrentes sobre a homossexualidade. (Aliás, cá entre nós, um dos assuntos preferidos dos machos que são mesmo muito machos são os gays, e aqueles que eles, qual PIDE dos hetero, consideram que se não são, pouco falta.) A terapia é de choque, pelo menos uma em cada três piadas contém uma nota de cariz homofóbico. Quando se querem insultar é fácil, dizem, orgulhosamente, “seu paneleiro”.
(É mais ou menos equivalente àquela expressão que se utiliza quando não se é bem atendido, ou se tem que trabalhar em alguma coisa menos agradável e braçal: “Devo ser preto”...também é um ritualismo. Fica para outro post).
Posologia: Para evitar o indesejado apaneleiramento, os amigalhaços devem, pelo menos, três vezes por semana, em jantaradas e almoçaradas, gozar com aqueles que eles suspeitam ser menos machos. Do mesmo modo, sempre que se insultarem devem preferir o termo “paneleiro” a qualquer outro, como forma de demonstrar que é equivalente a ser má pessoa, sem carácter, ou indivíduo repulsivo em geral.
Contra-indicações: A sobredosagem terapêutica provoca tacanhez de espírito, estupidez quadrada, e, muito lentamente, diminuição da massa cinzenta até ao seu total desaparecimento.