quinta-feira, maio 12, 2005

Les miserables

Para não variar, acordei tarde. Perante essa fatalidade, tinha duas opções: Ou saía à pressa de casa para apanhar um autocarro, ou então não abdicava do meu café + cigarro + jornal e vinha de táxi. Optei, infelizmente, pela segunda.
Entro num táxi igual a tantos outros, com um condutor igual a tantos outros, indico o local de destino, tal como tantos outros passageiros e, ao contrário da minha habitual interacção com os profissionais desse ramo, opto por um silêncio estranho, tentando esconder o meu profundo mal-estar derivado dos duros golpes desferidos pela minha Gillette Mach 3 Sensor Excel Turbo Tri Blade e causados certamente pela pressa a que o sono profundo me obrigou.
No entanto, esta curta viagem transformou-se num pesadelo sem fim, provocado por um “diálogo”, no mínimo, sui generis. Parados no semáforo da Rua de S. Bento, com as suas intermináveis filas, o condutor “abriu o livro”:
Condutor: Isto é uma vergonha, carrinhas paradas a descarregar. Uma falta de respeito pelos outros condutores...
Eu: Pois...
Condutor: Realmente, este País está num estado miserável. Se eu tivesse mil contos para investir aqui, não investia...
Eu: Pois...
Condutor: Isto é tudo corrupto, são todos uns porcos e vocês, jovens, estão completamente “fornicados”...
Eu (apesar de odiar a expressão “jovem”): Pois...
Condutor (já rangia os dentes e deixava escapar saliva compulsivamente pelos cantos da boca): Isto só andava com uma revolução, mas uma revolução à séria, eu cortava-lhes o pescoço ali na Avenida...
Eu (completamente em pânico): Pois...
Condutor: Isto é uma injustiça. Matava-os a todos...
Eu (quase a chorar): Pois...
Chegámos ao destino e o condutor continuava a gritar e a gesticular com uma intensidade que eu nunca tinha visto. Nunca dei uma gorjeta tão grande e fiquei tão feliz por chegar ao escritório.