sexta-feira, maio 06, 2005

Causas e Consequências do alheamento futebolístico

Em tempo de vivas a uma vitória recente com projecção internacional, com direito a buzinadelas nocturnas e delírio generalizado pela blogosfera e não só, destaco-me, infelizmente alheada de tudo isto, por, prosaicamente, “não me aquecer nem me arrefecer”.
Não há passe que me fascine, não há golo que me leve ao delírio, não há clube que me mereça especial atenção (embora me tenha sido atribuído, assim que nasci, um cartão de sócia de um dos grandes...supostamente, essa discussão de quem é o maior ultrapassa-me largamente).
Sofro de uma síndrome com tendências duradouras (e sem características endémicas, tranquilizem-se) cujas causas e consequências são, grosso modo, as seguintes:
Causas,
Não estou aí para virada e sou uma confessada ignorante em matérias futebolísticas. Tenho extrema dificuldade em deslindar exactamente quantos campeonatos decorrem ao mesmo tempo. Saber de que cor são os olhos do Beckam não é suficiente para fazer de mim uma entendida. ( E ser mulher? Não, definitivamente não é uma causa. Muitas há, e LTN, GMM e AMJ conhecem uma mulher, pelo menos uma, que desmentem por completo a teoria de que as mulheres não podem ser fanáticas por futebol.)
Consequências, Enquanto toda a gente festeja eu não tenho motivos para festejar. Não tenho a desculpa para a habitual pausa de meia hora no trabalho para falar do jogo da noite anterior. Não tenho mesmo desculpa para beber uns copos a mais porque ganhei, ou, porque perdi. Não descarrego as frustrações de forma saudável aos gritos num estádio. Não posso insultar a mãe de alguém e sair impune. Nunca sei quando é fora e quando é canto. O meu estado é um estado desinteressante, enquanto uns se alegram e outros se enfurecem, eu fico anacronicamente indiferente. Não possuo o conhecimento enciclopédico e transnacional dos nomes de todos os jogadores, treinadores e equipas no activo e ainda os nomes de todos os jogadores, treinadores e equipas que já se reformaram há vinte anos . Sim, porque há quem não decore a tabuada mas saiba o plantel de todas as equipas europeias. Não posso discutir passes e transferências ao almoço e tenho que esperar que a hora dos comentários ao futebol acabe, desejando ardentemente que não comece a dos carros (com a clássica parafernália de números e de letras para identificar modelos) para poder dizer duas seguidas. Não sou invadida por sentimentos altruístas de felicidade demonstrados com grande exuberância, basicamente porque desconheço a experiência de ficar eufórica porque uns senhores quaisquer que ganham rios de dinheiro mensalmente vão ganhar ainda mais rios de dinheiro porque ganharam uma competição. Não, não sou capaz de ficar feliz pelos outros dessa maneira. Não tenho sentimentos de pertença a uma comunidade de seis milhões (ou lá quantos são os benfiquistas!) que pugnam por um mesmo objectivo. Não posso odiar, irracional e alegremente, os restantes quatro milhões. Há uma redução no potencial dos “fashion statements”, se me visto de encarnado é porque sim, o mesmo se diga do verde, do azul e do xadrez .
Bottom line, ou continuo uma marginal, ou acho que tenho de começar a gostar de futebol. Ou daí, talvez não me consiga converter a tempo da final da Taça Uefa.