quinta-feira, maio 04, 2006

Free Trade

Free trade é do melhor que há para a economia.
Abstenho-me de defender esta afirmação, gostava apenas de chamar a atenção para o facto de a não generalização de free trade agreements criar enormes discrepâncias ao nível dos países subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento.
No entanto o New York Times chama a atenção para o lado feio (e porque não traduzir por nojento) do "comércio livre".

A Jordânia desde 2001 que tem uma posição privilegiada nas exportações para o Estados Unidos, facto que não passou ao lado dos principais gigantes norte-americanos. A Wal-mart, GAP, JC Penney, Sears e o Target resolveram assinar contratos sob os quais se assumem como compradores de determinadas quantidades de um determinado produto com determinadas especificações. Com esses contratos na mão são criadas e/ou mantidas as chamadas sweatshops*.
Os contratos são escritos por super escritórios de advogados dentro da moldura dos interesses expressos pelos clientes e tendem a contemplar exaustivamente todas as situações que podem levar à cessação do contrato, considerando mais uma vez as prioridades apresentadas pelos clientes.

Os donos das sweatshops - à semelhança de alguns proxenetas em Portugal - prometem mundos e fundos a pessoas humildes e sonhadoras para depois, assim que os vêem entrar na loja/fábrica lhes tirarem o passaporte, condicionar a habitação e pagar-lhes quando o rei faz anos. Para melhorar a situação, a polícia na maior das vezes entra no esquema e aceita pôr um ou outro mais chatinho atrás das grades.

Dizem os representantes dos ditos gigantes económicos que é muito difícil controlar este tipo de comportamento, dizem que mantém os seus "parceiros" económicos sob estreita vigilância e que não compactuam com determinados comportamentos sub-humanos.

Many retailers said their policy was, after discovering violations, to work with a factory to improve conditions, rather than automatically withdraw their business. Wal-Mart says it gives factories a year to fix serious problems, reinspecting them every 120 days.

Traduzindo para bom português:
"Sim, a malta sabe que há meia dúzia de monhés a trabalhar de sol a sol, mas vamos lá adiar uma decisão definitiva mais um bocadinho porque a colecção Outono-Inverno tem mesmo que ser apresentada a tempo."

Engraçado como as prioridades ficam distorcidas quando vistas pelo prisma do lucro.
Com isto não pretendo dizer que o Wal-Mart ou outros que tais são o bicho papão, na verdade ninguém tem a obrigação de ser a Madre Teresa de Calcutá, o problema maior está na corrupção ao nível das instituições políticas e policiais. A questão prende-se essencialmente ao nível governamental e na influência que países como os Estados Unidos podem (e devem) ter aquando das negociações de determinados acordos. Os EUA podiam por exemplo exigir uma adequação das leis laborais aos moldes "ocidentais" e um maior controlo ao nível dos órgãos policiais e judiciais. Chamem-lhe interferência em assuntos de soberania nacional se quiserem, mas seria o preço a pagar pelos dólares que se seguem.
Talvez assim as coisas mudassem melhor e mais rapidamente.

5 Comments:

Blogger AA said...

Como é que se infere que de uma prática moralmente incorrecta [?] das empresas exportadoras, importadoras e dos consumidores, devem ser os Estados a exigir condições uns aos outros? Que os Estados protestem, estão no seu direito, mas daí até proibirem o comércio livre por questões de Estado, vai um curto passo. Não se pode defender o comércio livre minando as suas fundações.

4:51 da tarde  
Blogger António said...

Não me parece que o comércio livre tenha como fundações o trabalho quasi-escravo, mas mesmo que o tenha nesta altura do campeonato isso vai ter que mudar mais cedo ou mais tarde, a bem ou a mal.
É claríssimo que em termos de comércio livre os países mais desenvolvidos optam por países menos desenvolvidos para obter menores custos de produção, traduzidos em coisas tão simples como menores exigências higio-sanitárias e ambientais, salários mínimos (quando existem) muitíssimos inferiores, período normal de trabalho superior, matérias primas consideravelmente mais baratas, etc.
Não digo para os agentes de comércio e respectivos Estados darem um tiro no pé, o que eu digo é se há Estados que tomam para si a responsabilidade de espalhar democracia pelos regimes totalitários do mundo esses mesmos Estados deviam considerar o peso do comércio livre na sua diplomacia e procurarem manter as mais-valias por aí obtidas enquadradas com as cartas dos direitos humanos.
Nunca disse para minar as suas fundações e muito menos para proibir o comércio livre, o que disse foi que os acordos bilaterais devem compreender determinadas condições para que o comércio livre possa ser implementado sem prejudicar os nacionais.
Não pretendo dizer que se deve impor um horário de trabalho inferior a 10 horas, ninguém morre por trabalhar 12 ou até mesmo 14! (eu já o fiz muitas vezes) Não digo para lhes pagarem aos 300 dólares por mês, sem bem o que vale um dólar no Cambodja por exemplo. E também não digo para lhes darem um gabinete com ar condicionado. O que pretendi dizer foi que os Estados onde os direitos humanos são tidos como garantidos, deveriam procurar fazer que esses mesmos direitos fundamentais fossem implementados, sendo que é muito mais fácil e eficiente que o sejam através da cenoura que da espada.

Peço desculpa pela superficialidade da resposta, tenho um exame em 3 horas que me tira o vagar.
Fica a promessa de um post a explicar melhor esta minha posição.
Um abraço.

5:45 da tarde  
Blogger AA said...

O comércio livre tem como fundação cada pessoa fazer negócio com quem lhe apetece, porque essa é uma acção mutuamente benéfica. Não é uma doutrina moral nem utilitarista. Estas considerações devem ser deixadas à sociedade, para que possa discriminar segundo os seus valores, que podem ser "bons" ou "maus".

Pelo processo do comércio livre, pode não importar se o produto é feito por quem não gostamos, como pode ser um factor decisivo para a sua aquisição. Este processo não recorre à compulsão ou proibicionismos. O trabalho escravo é uma vergonha, mas ninguém é responsável "pela Humanidade". Proibir é ir contra um princípio de subsidiariedade: pune-se primeiro o consumidor e o cidadão; mas tanto os "esclavagistas" como aqueles poucos que poderão estar a tentar fazer as coisas de forma honesta - de um lado e doutro. A alternativa estatal ao proibicionismo indiscriminado é que os Estados controlem quem tem boas práticas e quem não tem. Isso conduz ao controlo das importações por motivos sociais ou éticos, um exemplo péssimo para os Estados exportadores estrangeiros. Sobretudo, impõe "doutrinas nacionais" de superioridade moral e civilizacional, muito pouco saudáveis e contraditórias com as práticas de comércio livre que conduziram à dita superioridade moral e civilizacional!

Eu compreendo as boas intenções reflectidas na frase "O que pretendi dizer foi que os Estados onde os direitos humanos são tidos como garantidos, deveriam procurar fazer que esses mesmos direitos fundamentais fossem implementados, sendo que é muito mais fácil e eficiente que o sejam através da cenoura que da espada.", mas vejo como mais justo que seja a sociedade a seleccionar, sendo mais exigente, cabendo aos Estados então interpretar: "vejam: vocês não são transparentes, a malta julga que escravizam trabalhadores, a vossa produção não escoa...". Essa diplomacia é até bem-vinda.

Só mais uma nota: se o custo fosse o determinante, todo o investimento do mundo realizar-se-ia nos países em vias de desenvolvimento. Mas o que importa é produtividade. Pela concorrência entre países em vias de desenvolvimento, vingam as empresas com maior produtividade, sejam nacionais ou "multinacionais", e estas não são aquelas que produzem com menores custos absolutos, mas com maior valor acrescentado. Coisas baratuchas compram-se, mas ganha quem vender barato e bom. Um sistema esclavagista a nível nacional não pode ser mantido sem controlo da concorrência interna, o que mina as condições de competitividade internacional das empresas transgressoras. Passam a vender só barato. O socialismo não compensa. O círculo virtuoso é que as outras empresas, as que sucedem por prestarem melhores serviços ao consumidor, terem de contar com mão-de-obra mais especializada, motivada e mais bem paga. E com tempo as boas práticas passam a ser cultura e o comércio livre abre as portas à liberdade económica e desta para a liberdade política. Eventualmente aparecem uns demagogos a advogar redistribuição de riqueza, fair-trade etc, mas não é por isso que devemos negar a experiência e oportunidade às nações mais atrasadas de poderem desenvolver-se...

Um abraço,

11:47 da manhã  
Blogger António said...

Pelo que percebi advogamos a mesma coisa, com uma pequena grande diferença. És muito mais liberal do que eu. Eu acredito que o mercado com a sua lei da selva acaba por se acertar, mas acho que para que isso aconteça o dito mercado tem que ser transparente.
É complicado fazer a associação lógica de permissas quando vamos à Sport Zone (nike = crianças + indonésia + trabalho escravo), dir-me-ás com muita razão "Então é porque esse factor não é assim tão relevante e não passa de um flash emocional que fica bem para a fotografia". Talvez. Confesso que não me lembro dos Jordanos quando vou ao Wal-Mart comprar baratucho ou que quando uso o champoo johnson que não arde nos olhos não me lembro dos coelhinhos que ficaram cegos... normalmente isso passa-me tudo ao lado.
Porquê? Diversos factores, mas os mais gritantes a publicidade e marketing (johnson para mim são bébés queridos e cor-de-rosa) que dão muito pouca transparência ao produto quanto mais à sua produção. Caso contrário como é que poderíamos comer um BigMAc depois de recebermos aquele e-mail dos organismos gelatinosos a.k.a. hamburger 100% carne de vaca?

Não de facto a humanidade ainda não tem personalidade judiciária por isso é complicado responsabilizá-la, mas no campo dos direitos humanos mínimos acho sinceramente que fazer umas guidelines para serem seguidas pelos Estados contratantes não vai estrangular o mercado, de facto em acordos de comércio livre são negociadas e comprometidas milhentas coisas, estabelecer mais uma ou duas coisas que possam ainda que superficialmente garantir mínimos não vai impedir que as industrias desse país sejam competitivas.

Quanto à qualidade naturalmente que estou de acordo, aliás, será a única forma de manter os chamados produtos tradicionais num futuro - espero que - próximo. Se o queijo de azeitão continuar a delícia que é tenho a certeza que o vou continuar a ver no Whole Foods, caso contrário à semlhança do Porto da California vamos ter o queijo de azeitão made in Argentina e ninguém vai notar a diferença, é fundamental insitir na qualidade transformando os produtos nacionais em produtos de luxo altamente desejados e exportados para nichos de mercado fortes.
Mas voltando ao assunto e seguindo o argumento utilizado é natural que não nos podemos reduzir ao "barato" da produção, esse barato é tido em conta em muitos outros factores como o transporte, impostos nacionais, matérias primas na vizinhança, já para não falar a nível dos riscos políticos. São esses vários factores que determinam as escolhas de onde e com quem trabalhar, mas convenhamos que em última análise o factor preço de produção terá sempre peso na decisão.
Peço desculpa mas o argumento que as empresas que usam trabalho "escravo" perdem qualidade e passam a vender só barato parece-me um salto na lógica. A motivação nem sempre anda de mãos dadas com o salário alto e a especialização normalmente vem da repetição (em manufactura então...). Mas tens razão, nem tudo são botões para cozer ou solas para colar e há determinadas áreas em que a especialização tem uma importância determinante. Com essa especialização vem a infungibilidade do trabalhador e consequentemente a sua valorização e aumento salarial. Realmente se formos por aí e fugirmos da Jordânia para Europa de Leste já vemos isso a acontecer.

Mas estou certo que para lá caminhamos e acredito que a abertura do comércio a nível internacional vai ser determinante na abertura de regimes politicos mundiais (basta olhar para o que se passa com a China), estou em crer que a nossa grande divergência reside no facto de eu considerar que se nos termos contratuais forem estabelecidos a priori determinados limites ao nível dos direitos humanos isso não vai estrangular o comércio (se feito de forma razoável) mas sim acelerar o processo de liberalização económica e política.
Os EUA não vão probir a Jordânia de ter sweat shops, o que vão dizer é que nos produtos que lhes são dirigidos isso não pode acontecer. Não há uma diminuição de soberania da parte do estado contratante, há um compromisso contratual que pode ou não ser cumprido, dependendo da contraprestação.

Não sei, são boas intenções, que como a maioria das boas intenções pecam por quixotecas...

Um abraço.

9:35 da manhã  
Blogger AA said...

Os EUA não vão probir a Jordânia de ter sweat shops, o que vão dizer é que nos produtos que lhes são dirigidos isso não pode acontecer.

Eu não me importo que os EUA-pessoas o façam, objecto que seja o Governo, porque não pode senão ser arbitrário. Com certeza que não imporá essas medidas aos Estados tiranos seus amigos, etc etc. Quando a administração não se rege por valores, muito mal está. Uma alternativa é subjugar-se à ditadura do "politicamente correcto". Não é que muitas coisas PC não sejam morais ou éticas, mas moral e ética devem ser praticadas pelas pessoas e não pelos Estados que lhes retiram a liberdade de acção e portanto negam às pessoas essa prorrogativa. Sem escolha não há moral, ou ética. Ou seja, o mal não é o PC, mas a ditadura - que invariavelmente é a da maioria, atropelando direitos das pessoas. Isto não é wordplay, é um assunto sério, e é o que destingue colectivismo (socialismo) de uma sociedade livre...

Penso que há medidas que podem ser tomadas, nomeadamente punindo empresas que não respeitam a liberdade de contrato dos trabalhadores (mesmo que esse contrato tenha medidas laborais que pelos nossos padrões são retrógradas). Essas empresas só podem ser consideradas criminosas, independentemente da legislação. É uma maneira de dissuadir esclavagismos. Mas não se devem impor padrões laborais mínimos arbitrários. Ou seja, cruamente, se eles suam, que suem, mas que sejam livres de irem embora.

(há aqui questões que ainda tenho de pensar - se é lícito deduzir um crime público de uma prática privada, algo que é rejeitado por muita literatura liberal, por motivos óbvio...)


Um abraço,

António

1:49 da tarde  

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