Eles andem aí
Chegámos a um ponto em que, se quisermos ser tratados com o mínimo de dignidade e boa educação, temos que cumprir, escrupulosamente, dois requisitos: Vestir um fato e usar o vocabulário adequado para cada situação concreta.
Relativamente ao primeiro dos requisitos, veja-se então o porquê. Quando, durante o fim-de-semana, no melhor estilo casual, vamos a um restaurante de terceira ou quarta categoria ou a um café, não conseguimos evitar o “o que deseja?” seco e indiferente, independentemente de termos um aspecto minimamente asseado, barba feita, dentes lavados e devidamente perfumados. No entanto, se frequentarmos esses mesmos locais com o kit-dia-útil, e independentemente de termos mau aspecto, barba por fazer, dentes podres e cheirarmos mal, todos nos atendem com um sorriso rasgado e soltam imediatamente um “o que deseja, dotôr?”, “estava tudo do seu agrado, dotôr?”, que parece música para os nossos ouvidos. Assim, e para bem da minha auto-estima, resolvi agir em conformidade: Durante a semana só almoço em tascas (onde, com a indumentária que caracteriza a nossa profissão, sou sempre cumprimentado com um simpático e aparentemente genuíno “como está, dotôr”) e, durante o fim-de-semana evito frequentar esses antros – para evitar ser sentimentalmente apedrejado. Já dizia a velha máxima que “se não os podes vencer, junta-te a eles”. Assim o fiz. Hoje não saio de casa sem perguntar vezes sem conta “será que esta gravata condiz com a pobre decoração do café da esquina?”, “será que um fato “olho-de-perdiz” não será demasiado ostensivo para os frequentadores da tasca imunda onde vou almoçar?”. Sim, as perguntas são pertinentes. Se um fato e uma gravata podem ser a chave para o sucesso das nossas relações sociais em horas de repasto, também podem trazer, se não tivermos algum cuidado, muitos dissabores, já que muito facilmente podem apelidar-nos, sem piedade, de “fascistas”, “agressores de fracos e oprimidos”, "filhinhos do papá", entre outros mimos de conotação sexual (imagine-se o que dizem do aspecto impecável característico dos britânicos de meia idade).
Quanto ao segundo requisito, é um pouco mais complicado, estando apenas ao alcance dos verdadeiros sábios. Se não, vejamos: Se formos a um café e pedirmos uma cerveja de pressão, somos imediatamente alvo de gozo por parte do empregado (e que, sem darmos por isso, estende-se imediatamente aos habitués que passam todo o santo dia sentados naquele café). Temos que ser suficientemente evoluídos para saber pedir uma “imperial”, quando abaixo do Mondego, e um “fino”, acima da referida linha de água. Mais. Se formos a uma pastelaria e apontarmos para um bolo - sim, é legítimo não saber os nomes de todos os bolos existentes nas pastelarias -, somos imediatamente interrompidos pelo empregado que, com um tom sarcástico e um ar superior diz “portanto, quer um jesuíta, né?” e, quase de propósito, traz-nos um dos “jesuítas” que sobraram da panificação do dia anterior.
Estudo o fenómeno há alguns anos e posso dizer que não sou o único a pensar desta forma.
Feliz ou infelizmente, a minha actividade profissional obriga-me a passar umas horas por semana num Notário, numa Conservatória e, de vez em quando, num Tribunal. É precisamente nesses sítios que percebo o alcance da minha reflexão: As pessoas que por lá passam vão sempre impecavelmente vestidas e não perdem a oportunidade de gritar bem alto as palavras “emolumento”, “averbamento”, “provisória por dúvidas”, “citação para contestar”, etc., embora não façam a mais pequena ideia do que aquilo quer dizer. Pior. Os funcionários dessas instituições, deparados com indivíduos trajados de gala, nem sequer ousam questionar a sua autoridade na matéria, mesmo que os ditos “palavrões” não façam o mínimo sentido dentro de certo contexto, porque, afinal, são (ou aparentam ser) “dotôres”.
Este País está cheio de “dotôres”. Se INF afirmou, com razão, que em Portugal existe 1 Advogado para 450 habitantes, tenho a certeza que há, pelo menos, 1 “dotôr” para 10 habitantes. Felizmente, e como a estatística acima enunciada demonstra, há muitos (verdadeiros e legítmos) "dotôres" prontos a corrigir as inevitáveis asneiras provocadas pelos outros “dotôres”.
Relativamente ao primeiro dos requisitos, veja-se então o porquê. Quando, durante o fim-de-semana, no melhor estilo casual, vamos a um restaurante de terceira ou quarta categoria ou a um café, não conseguimos evitar o “o que deseja?” seco e indiferente, independentemente de termos um aspecto minimamente asseado, barba feita, dentes lavados e devidamente perfumados. No entanto, se frequentarmos esses mesmos locais com o kit-dia-útil, e independentemente de termos mau aspecto, barba por fazer, dentes podres e cheirarmos mal, todos nos atendem com um sorriso rasgado e soltam imediatamente um “o que deseja, dotôr?”, “estava tudo do seu agrado, dotôr?”, que parece música para os nossos ouvidos. Assim, e para bem da minha auto-estima, resolvi agir em conformidade: Durante a semana só almoço em tascas (onde, com a indumentária que caracteriza a nossa profissão, sou sempre cumprimentado com um simpático e aparentemente genuíno “como está, dotôr”) e, durante o fim-de-semana evito frequentar esses antros – para evitar ser sentimentalmente apedrejado. Já dizia a velha máxima que “se não os podes vencer, junta-te a eles”. Assim o fiz. Hoje não saio de casa sem perguntar vezes sem conta “será que esta gravata condiz com a pobre decoração do café da esquina?”, “será que um fato “olho-de-perdiz” não será demasiado ostensivo para os frequentadores da tasca imunda onde vou almoçar?”. Sim, as perguntas são pertinentes. Se um fato e uma gravata podem ser a chave para o sucesso das nossas relações sociais em horas de repasto, também podem trazer, se não tivermos algum cuidado, muitos dissabores, já que muito facilmente podem apelidar-nos, sem piedade, de “fascistas”, “agressores de fracos e oprimidos”, "filhinhos do papá", entre outros mimos de conotação sexual (imagine-se o que dizem do aspecto impecável característico dos britânicos de meia idade).
Quanto ao segundo requisito, é um pouco mais complicado, estando apenas ao alcance dos verdadeiros sábios. Se não, vejamos: Se formos a um café e pedirmos uma cerveja de pressão, somos imediatamente alvo de gozo por parte do empregado (e que, sem darmos por isso, estende-se imediatamente aos habitués que passam todo o santo dia sentados naquele café). Temos que ser suficientemente evoluídos para saber pedir uma “imperial”, quando abaixo do Mondego, e um “fino”, acima da referida linha de água. Mais. Se formos a uma pastelaria e apontarmos para um bolo - sim, é legítimo não saber os nomes de todos os bolos existentes nas pastelarias -, somos imediatamente interrompidos pelo empregado que, com um tom sarcástico e um ar superior diz “portanto, quer um jesuíta, né?” e, quase de propósito, traz-nos um dos “jesuítas” que sobraram da panificação do dia anterior.
Estudo o fenómeno há alguns anos e posso dizer que não sou o único a pensar desta forma.
Feliz ou infelizmente, a minha actividade profissional obriga-me a passar umas horas por semana num Notário, numa Conservatória e, de vez em quando, num Tribunal. É precisamente nesses sítios que percebo o alcance da minha reflexão: As pessoas que por lá passam vão sempre impecavelmente vestidas e não perdem a oportunidade de gritar bem alto as palavras “emolumento”, “averbamento”, “provisória por dúvidas”, “citação para contestar”, etc., embora não façam a mais pequena ideia do que aquilo quer dizer. Pior. Os funcionários dessas instituições, deparados com indivíduos trajados de gala, nem sequer ousam questionar a sua autoridade na matéria, mesmo que os ditos “palavrões” não façam o mínimo sentido dentro de certo contexto, porque, afinal, são (ou aparentam ser) “dotôres”.
Este País está cheio de “dotôres”. Se INF afirmou, com razão, que em Portugal existe 1 Advogado para 450 habitantes, tenho a certeza que há, pelo menos, 1 “dotôr” para 10 habitantes. Felizmente, e como a estatística acima enunciada demonstra, há muitos (verdadeiros e legítmos) "dotôres" prontos a corrigir as inevitáveis asneiras provocadas pelos outros “dotôres”.
Não disserto sobre os "engenhêros", "gestoures" e "arquetetos", porque todos nós, infelizmente, já demos conta da sua existência em qualquer obra, empresa ou projecto...
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home